quarta-feira, 11 de julho de 2012

Dom Eugenio Sales será enterrado hoje na Catedral do Rio de Janeiro

Idealizador da principal campanha da Igreja Católica, dom Eugenio abrigou pessoas perseguidas por regimes militares na América Latina

Publicação: 11/07/2012 09:03 Atualização:
O corpo do cardeal dom Eugenio de Araújo Sales, de 91 anos, arcebispo emérito do Rio de Janeiro, será sepultado hoje, às 15h, na cripta da Catedral Metropolitana, no Rio de Janeiro. Cardeal mais velho da Igreja Católica, um dos criadores da Campanha da Fraternidade e crítico das ditaduras militares da América Latina, ele morreu às 22h30 de segunda-feira, de infarto agudo do miocárdio. Segundo a arquidiocese, ele estava na Residência Assunção, onde morava, no Sumaré. O velório começou às 15h de ontem, na catedral, quando soaram os sinos das igrejas do Rio.
Por volta das 5h da manhã, o corpo deixou a Residência Assunção, onde estavam reunidas cerca de 15 pessoas entre padres, freiras e funcionários da casa, e seguiu para o bairro de Inhaúma, onde foi embalsamado. O enterro ocorrerá depois da chegada do bispo auxiliar do Rio de Janeiro, Karl Romer, que está em Roma, na Itália. O irmão de dom Eugenio, dom Heitor de Araujo Sales, arcebispo emérito de Natal, no Rio Grande do Norte, está na Suíça e não conseguiu passagem. O religioso é aguardado para a missa de sétimo dia.

Vestindo uniforme da Cruz Vermelha, o voluntário Gilberto de Almeida soltou uma pomba branca durante a missa de corpo presente de dom Eugenio Sales, na Catedral de São Sebastião, no Centro. O que ele não contava era que a ave fosse pousar sobre o caixão segundos depois de ser solta e lá permaneceu por mais de uma hora, deixando centenas de fiéis emocionados.

A arquidiocese informou que a rotina de dom Eugênio nos últimos dias era apenas de ficar no quarto e no gabinete, onde lia muitos jornais e assistia à TV. Ele não tinha nenhuma doença específica. Segundo a arquidiocese, dom Eugenio faria 69 anos de sacerdócio, 58 de episcopado, 43 de cardinalato, em seus quase 92 anos de vida. Ele sagrou 22 bispos e ordenou 215 sacerdotes.

O arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta, também comunicou a morte de dom Eugenio, por volta das 0h40m, pelo Twitter: “Nosso querido cardeal dom Eugênio faleceu. Pedimos orações pelo seu descanso eterno”. O religioso também lamentou a morte por meio de nota: “É uma tristeza anunciar essa notícia. Mas ele era um homem de Deus e serviu a Jesus Cristo. Sempre esteve presente nos momentos importantes do Brasil principalmente na questão dos refugiados e na defesa dos perseguidos e teve presença marcante na igreja do Brasil e do Vaticano. Trabalhou em educação de base e na evangelização nas arquidioceses do Rio, Natal e Bahia. Viveu quase 92 anos principalmente pelo sua presença significativa na igreja e no Brasil. Ele foi alguém que sem dúvida soube viver dando continuidade aos ensinamentos.”

Candidato a sucessor de João Paulo I


Nascido em 8 de novembro de 1920, em Acari (RN), o cardeal teve o nome entre os candidatos a papa depois da morte de João Paulo I. Conhecido como o homem do Vaticano no Brasil durante os 30 anos em que esteve à frente da Arquidiocese do Rio, o cardeal continuou sendo querido pelo papa mesmo afastado das funções eclesiásticas no estado fazia quase uma década. O arcebispo emérito do Rio chegou a ser surpreendido, às vésperas de completar 90 anos, por uma carta de felicitações assinada por Bento XVI. Para dom Eugenio, o documento não foi sinal de prestígio, mas o reconhecimento de uma vida dedicada à fé.
Dom Eugenio passou parte da infância no sertão nordestino. A vocação para o sacerdócio surgiu no início dos anos 30, após ser matriculado em colégio marista de Natal. Antes de optar pela Igreja, pensou em ser engenheiro agrônomo. Foi ordenado em 21 de novembro de 1943.
Em 67 anos de vida dedicada à Igreja, foi rotulado tanto como líder conservador quanto “bispo vermelho”, por ter, no início do sacerdócio, ajudado a criar os primeiros sindicatos rurais no Rio Grande do Norte. Era defensor da ortodoxia católica e combateu doutrinas esquerdistas na Igreja, como a Teologia da Libertação, corrente política considerada por ele próxima do marxismo.
Um capítulo importante da vida de dom Eugenio remonta à ditadura, quando atuou de maneira silenciosa, abrigando no Rio mais de 5 mil pessoas perseguidas pelos regimes militares do Cone Sul, entre 1976 e 1982, especialmente argentinos. A história da participação sem alarde do arcebispo foi contada, 30 anos depois, pelos principais meios de comunicação. Discretamente, o cardeal cultivava delicadas relações com os militares e ajudou a salvar vidas.
Para dar conta de tanto pedidos, autorizou o aluguel de quartos e depois apartamentos. A ajuda incluía dinheiro para gastos pessoais, assistência médica e auxílio jurídico. Em entrevista em 2008, dom Eugenio contou por que agiu nos bastidores: “Se eu anunciasse o que estava fazendo, não tinha chance. Muitos não concordavam, mas eu preferia dialogar e salvar. Eu não tinha nem nunca tive interesse em divulgar nada disso. Queria que as coisas funcionassem, e o caminho naquele momento era esse, o caminho de não pisar no pé (do governo)”, disse.
Já em 2010, também em entrevista, vestido de preto, com um crucifixo de prata no pescoço, o homem que organizou as duas visitas do papa João Paulo II ao país, em 1980 e 1997, respondeu a todas as perguntas com serenidade, mas fez questão de deixar claro que estava cansado do assédio por conta das comemorações do seu 90º aniversário: ”Eu já estou cansado, às vezes minha memória falha. Mas faço questão de receber os jornalistas. Nada no mundo funciona sem a comunicação”.

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